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Os olhos da Marcela

Marcela tem 14 ou 15 anos. Tem colegas de aula, professores queridos e um monte de atividade na escola. Pude ver os trabalhos que fizeram. Ela é linda, tem um sorriso expressivo, seus cabelos longos delicadamente presos numa trança, emolduram seu rosto iluminado. Tem uma voz suave, deve-se chegar bem perto da sua boca para ouvir. Foi o que fiz na tarde em que conheci esses leitores pra lá de especiais na Escola Lígia Averbuck. A Roberta, o César, a Vitória, a Natália e sua mãe carinhosa, a Fernanda, o Henrique, o Ruben, a Daiane, o Luquinhas,o Elisandro, César Augusto e tantos outros que têm me visitado a memória desde que os conheci na última quarta-feira.
Com cada um vivi um momento especial, e talvez vocês nunca saibam o quão especial e revolucionário foi, mas vou representar tudo o que tive o privilégio de viver, nessa conversa que tive com a Marcela.
Quando aproximei meu ouvido da sua voz, ela me disse:
-Um ovo, quero um ovo.
Demorei pra entender do que falava a menina de olhos abertos pedindo atenção.
Ela queria um ovo. Coisa viva, cheia de esperança, coisa frágil, feita de matéria orgânica, recheada de surpresa, Marcela queria um ovo. Eu olhei ao redor e descobri. O ovo era de verdade, feito pela galinha e pintado por mãos especiais. Nessa escola os alunos brincaram de Bartolomeu. Pegaram ovos e coloriram, deixando o mundo mais alegre e fazendo a diferença ser a coisa mais especial que temos.
Aqueles alunos são diferentes, é inegável, e especiais, de verdade. No sentido mais incrível que essa expressão possa ter.
Controlaram a força, muitas vezes incontrolável, das suas maõs e pintaram ovos.
O que pode ser mais frágil do que um ovo? Só uma coisa é, o meu coração que, depois desse dia, se encheu de felicidade em poder participar com todos e, com a Marcela em especial, de um momento como esse. Tive a oportunidade de abrir o ovo colorido e oferecer para ela um punhadinho de doce que recheava o ovo. Não sei se vivi outro momento mais sensacional do que esse na minha vida.
Ela comeu sorridente e me agardeceu com um olhar que jamais vou esquecer. Tinha uma alegria intensa no seu olhar de menina linda.
A sua alegria me comoveu, tenho que confessar. Ando em muitas escolas, conheço muitas crianças e alunos e poucas vezes vi um olhar daqueles: agradecido de verdade e feliz por realizar um desejo. Naquela horinha em que Marcela mastigava o doce e pedia mais, enxerguei todas as crianças que desejam desenfreadamente consumir, consumir e consumir sem saber porquê. Marcela queria o doce, porque seus colegas fizeram, porque isso tem significado para ela, porque ela tem esse direito, porque é bom, ou por algum outro bom motivo só seu. Simples assim como a vida deve ser.
Marcela tem exaltada a sua humanidade, completa. Cada limite é um desafio, cada desejo é de verdade uma forma de ser feliz ao realizar.
Ela foi feliz naquele momentinho, como em muitos outros, me parece, e eu fico maravilhada por ter visto nossas vidas se cruzarem ali.
Marcela é a menina mais linda que eu conheci.

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